Série Os Melhores Futebolistas de África (III): Roger Milla, o homem do Presidente

Quando Albert Roger Mooh Miller (n. 1952) usufruiu dos seus 15 minutos de fama, tinha a idade em que outros iam a caminho ou já tinham trocado a chuteira pelo chinelo da reforma. Podem ver Roger Milla ou como um talento tardio, ou um tântrico. Uma coisa é certa: por causa dele, o mundo do futebol agradece a Meucci e a Bell a invenção do telefone.

Roger Milla suscita reacções muito diferentes. Há os que não lhe perdoam o facto de ter atingido o seu pico de forma apenas aos 38 anos e de nunca ter jogado num dos grandes clubes mundiais.

Há quem não esqueça que, apesar dessa lacuna, o camaronês tem no currículo três Mundiais, isto é, três vezes mais que Weah e Pele, os dois jogadores que ficam à sua frente na lista dos melhores jogadores africanos do Federação Internacional de História e Estatística do Futebol.

Também há outros que, para sublinhar o extraordinário talento daquele avançado da selecção dos Camarões, os “Leões Indomáveis”, lembram que este filho de um ferroviário camaronês, melhor jogador africano em 1976, não parecia destinado a ser uma grande estrela do futebol mundial. Quando a pátria o chamou novamente, por telefone, já ele estava reformado da selecção há três anos.

Em 1982, Milla estreou-se na principal competição da federação Internacional de Futebol (FIFA). Tinha já 30 anos, marcou um golo que foi anulado, contra o Peru. Um passo em falso para toda a selecção camaronesa que, nesse ano, foi eliminada logo na na primeira ronda, por culpa de três empates na fase de grupos.

Talento tardio ou não, a longevidade da sua carreira em nada perturba o lugar de Milla na mesa do banquete do futebol mundial. Que, obviamente, fica na cabeceira, no lugar do mais velho, mas também do mais sábio. Milla é um digno representante do futebol tântrico. Soube prolongar os preliminares, superar o próprio clímax mostrando que apesar do ocaso, afinal havia mais.

O telefonema presidencial

Os “Leões Indomáveis” falharam a qualificação para o México 1986, mas regressariam aos Mundiais em 1990. Nas vésperas do torneio, Milla recebeu uma chamada que lhe mudaria a vida – e que virou o mundo do futebol de cabeça para baixo.

Ao telefone, estava nada mais nada menos que o Presidente dos Camarões, Paul Biya, pedindo-lhe que suspendesse a reforma e regressasse para ajudar a equipa nacional no torneio que teria lugar em Itália. “Voltei à selecção porque ouvi o povo chamar-me”, explicaria Milla sobre este assunto, citado na altura pelo jornal “Le Monde”, abordando assim uma história que tem outra versão. A de que o Presidente teria exigido a presença de Milla junto do seleccionador. Normalmente, caberia a este último escolher os jogadores. Mas Milla não “A sua presença entusiasma a equipa”, lembrou o seleccionador dos “leões” africanos da altura, o russo Valero Nepomniachi. E não foi preciso mais que 15 minutos para o provar.

Milla nasceu em Yaoundé, capital do seu país natal, e renasceu no estádio San Nicola, em Bari, a cidade que fica no tacão da geográfica bota que é o país anfitrião do Mundial de 1990. Foi nesse estádio que soltou dois rugidos contra a Roménia, batendo duas vezes em dez minutos o guarda-redes da equipa dos Cárpatos, Silvio Lung. O jogo terminaria 2-1, a favor da equipa africana, com todos os golos marcados nos últimos 14 minutos do encontro. Segundo os registos da FIFA, Milla aos 76’ e 86’.  Em ambas as ocasiões, teve mais capacidade física, mais velocidade, mais astúcia que o defesa Ion Andone, oito anos mais novo que ele.


Camarões 2-1 Roménia

Era a segunda vitória seguida – e a qualificação garantida – dos “Leões Indomáveis”, após o surpreendente triunfo (0-1) sobre a então campeã do Mundo, a Argentina de Maradona, no jogo de abertura do torneio, no estádio San Siro, em Milão.

 Por essa altura, o mundo já havia aprendido a forma como Milla festejava os golos, dançando com uma mão no ar e outra sobre a barriga, junto a uma bandeira de canto. Nove dias depois, e com uma pesada derrota pelo meio (4-0 frente a uma União Soviética já a caminho do desmantelamento), o avançado que jogou a maior parte da sua carreira na primeira e segunda divisão francesa, repetiu a receita frente à Colômbia. Ainda mais rapidamente. Marcou dois golos, em três minutos, na primeira parte do prolongamento.

Ambos os golos são memoráveis, por razões diferentes. O primeiro por ser uma iniciativa individual, recheada de técnica e velocidade. O segundo porque envolveu uma monumental fífia do guardião colombiano, René Huguita, que foi batido em velocidade e assim arrajou mais um elemento para a sua colecção pessoal de factos notáveis (a par do farto cabelo e do facto de ser um marcador de livres e penáltis).


Camarões 2-1 Colômbia

A Colômbia ainda reduziu, mas não evitou a passagem dos Camarões aos quartos-de-final da prova, fase em que Milla voltou a ser suplente, fazendo o pleno no banco e os “leões” africanos acabaram por ser eliminados pela Inglaterra de Gary Lineker e David Platt, num jogo electrizante, com três penáltis em 120 minutos. No fim, ganharam os ingleses, 3-2 (injustamente?).

Milla jogaria mais sete anos como profissional. Na última época (94/95) da sua carreira logrou o seu terceiro e derradeiro Mundial. Nos Estados Unidos 1994, entrou aos 64’ na partida dos Camarões com o Brasil, na segunda jornada do grupo. A selecção “canarinha” ganhou, por 3-0. Quatro dias mais tarde, o francês Henri Michel, seleccionador dos Camarões, chamou-o ao intervalo. No primeiro minuto em campo, marcou. Tinha 42 anos e 39 dias. É o mais velho jogador em campo nos Mundiais da FIFA e o mais velho a ter marcado. Porém, o adversário dessa tarde, a Rússia, foi mais forte e goleou por 6-1. Os “leões” despediam-se do torneio com três derrotas. Milla aproveitou e disse adeus, reformando-se aos 43 anos, após uma temporada num clube do Bahrein da Indonésia.

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  1. 1 Presidente Zuma quer Benni McCarthy de volta aos “Bafana Bafana” « Vuvuzela Trackback em Outubro 26, 2009 às 12:49 pm

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